Guerra Fria

A chamada "Guerra Fria" foi o período da história mundial de 1953 a 1991, que se caracterizou principalmente pela constante ameaça de uma guerra nuclear entre os Estados Unidos da América e seus aliados e a União Soviética e seus aliados. Os dois países eventualmente chegaram a possuir, e possuem até hoje (apesar dos tratados de diminuição do arsenal nuclear) poder de fogo suficiente para destruir a vida no planeta.

Primeira Guerra Fria (1953-1962)

A primeira fase da Guerra Fria, também chamada de "Primeira Guerra Fria", teve como principais marcos foram a criação do Pacto de Varsóvia e da "Cortina de Ferro", em 1955, a Revolução Húngara de 1956, a Revolução Cubana de 1959 e a Crise dos Mísseis, da qual tratamos em outro artigo, o Racha Sino-Soviético de 1961 e a Crise de Berlin.

Pacto de Varsóvia

A formação do pacto de Varsóvia, uma aliança formal ofensiva e defensiva que incluía todos os países do chamado Bloco Oriental, exceto a Iugoslávia do Marechal Tito, que permaneceu como um poder comunista independente. Os países que assinaram o pacto foram, além da União Soviética, a Albânia, a Romênia, a Bulgária, a Hungria, a Polônia, a Romênia e a Tchecoslováquia, assim se opondo a aliança liderada pelos Estados Unidos dos países da Europa Ocidental, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), formada em 1949. A quase-completa polarização da Europa entre os dois blocos resultou numa fronteira norte-sul extremamente fortificada e armada, que Winston Churchill chamou de "A Cortina de Ferro".

Revolução Húngara

A Revolução Húngara de 1956 foi uma insurreição popular em resposta a ocupação soviética da Hungria no pós-guerra, e sua política essencialmente ditatorial após a retirada das tropas, que deixavam a Hungria totalmente sob seu controle. Após a renúncia do Presidente Mátyás Rákosi em meio a protestos populares em julho de 1956, os movimentos populares sentiram-se encorajados e, liderados sobretudo por setores de estudantes e da direita radical que governara o país durante o final da década de 1930 e a Segunda Guerra Mundial, iniciaram uma revolta nacional, que formou milícias para combater a polícia comunista e as tropas soviéticas, e oficialmente destituiu o governo.

Após três meses do governo nacionalista de Imre Nagy, que tentou em vão obter apoio militar da OTAN e garantias internacionais de não-agressão, as forças soviéticas invadiram o país em massa, matando mais de 2,000 pessoas em combate, prendendo mais de 30,000, executando centenas em julgamentos secretos e deportando milhares para a União Soviética, sobretudo para os gulags, ou campos de trabalho forçado. Durante esse curto período mais de 200,000 húngaros saíram do país como refugiados. Os soviéticos então instalaram como Secretário-Geral János Kádár, que permaneceu governando o país por mais de 30 anos, até 1988.

Com a morte de Stalin em 1953, seu sucessor, Nikita Khruschev muda radicalmente a postura diplomática e ideológica da União Soviética, condenando muitas das ações de Stalin, incluindo a formação de um "culto ao líder" (similar ao ducismo ou führerprinzip fascistas), reestabelecendo relações com a Iugoslávia, dissolvendo o Cominform (Comitê de Informação), órgão comunista que coordenava globalmente as ações dos partidos comunistas, e negando o princípio Marxista-Leninista do conflito inevitável com o capitalismo, e enfatizando a possibilidade de uma convivência pacífica entre os mundos capitalista e comunista. Mao Tse-Tung, líder comunista chinês, apoiava Stalin ideologicamente, e ficou chocado com a mudança repentina da liderança soviética. Isso causou um cisma profundo entre os dois países, e a retirada da China do Tratado Soviético de Aliança e Amizade, assinado em 1950, privando assim o bloco soviético de um aliado com grande potencial militar e político.

Crise de Berlin

A Crise de Berlin de 1961 foi uma crise diplomática entre os países do Pacto de Varsóvia e da OTAN, que tinha como problema central o problema da imigração em Berlin. A ocupação da Alemanha Oriental pelos soviéticos na Segunda Guerra Mundial causou uma divisão da cidade de Berlin em Zonas de Ocupação, Americana, Inglesa (mais tarde Anglo-Americana) Francesa e Soviética, mas que efetivamente colocava o território de ocupação da OTAN no meio da Alemanha Oriental.

Aproveitando esse fato, a partir de 1950 iniciou-se um movimento de emigração em massa, especialmente entre os setores mais escolarizados em direção as zonas de ocupação ocidentais, de modo a conseguir asilo diplomático e passagem para a Alemanha Ocidental ou algum dos países da OTAN. Apesar da construção de cercas de arame farpado a partir de 1953, a emigração atingiu o patamar de centenas de milhares, e não dava sinal de arrefecer. Khruschev então iniciou negociações para o fim das zonas de ocupação em Berlin, o que foi veementemente negado pela OTAN.

Para evitar o conflito então, os Estados Unidos concordaram diplomaticamente na militarização da fronteira na capital alemã, e assim os soviéticos construíram o Muro de Berlim, uma fronteira altamente fortificada, com guarnição regular, múltiplas muralhas e patrulhas de tanques, praticamente acabando com a emigração para Berlin Ocidental. Em contraste com o período anterior ao Muro, a emigração diminui de 3.5 milhões de pessoas num período de 11 anos (1950-1961) para menos de 5.000 no período subseqüente (1961-1989).

Fase da "Deténte" (1962-1979)

Com a política de Khruschev de coexistência entre os dois mundos, iniciou-se a fase de "Deténte", ou apaziguamento, momento em que os dois blocos passaram a reunir-se periodicamente para discutir questões mundiais, raramente se hostilizando (com a exceção indireta da Guerra do Vietnã) e evitando ao máximo o perigo de uma guerra nuclear. Os marcos desse período são a Primavera de Praga, a Guerra do Vietnã, e a Doutrina Nixon-Kissinger.

Primavera de Praga

A "Primavera de Praga" foi uma tentativa de liberalização e democratização da Tchecoslováquia, liderado por Alexander Dubcek. Dubcek almejava implantar a liberdade de imprensa e de expressão, o fim das perseguições políticas, e um sistema multi-partidário, mas usando uma retórica comunista, alegando que "construiria uma sociedade socialista avançada, dentro das tradições históricas e democráticas da Tchecoslováquia". Os outros membros do Pacto de Varsóvia inicialmente tentaram dissuadir Dubcek, que permaneceu firme e determinado. A resposta a essa determinação foi uma invasão conjunta dos outros países, que matou centenas de tchecos e eslovacos, e reimplantou a censura de imprensa e expressão e o sistema de partido único. A única mudança do regime Dubcek que foi mantida e reforçada foi a separação entre a República Tcheca e a Eslováquia, que persiste até os dias de hoje.

Guerra do Vietnã

As origens da Guerra do Vietnã remontam ao final da Segunda Guerra Mundial, e à divisão do país. Após a vitória dos Soviéticos, o Partico Comunista Vietnamita, conhecido como Viet Minh, com o apoio de Mao Tse-Tung, tomou o poder no norte do país, que era ainda a colônia francesa da Indochina. Isso gerou uma guerra civil com forças francesas e apoiadores, que culminou na batalha de Dien Bien Phu, em 1954. O Viet Minh saiu vitorioso, e anunciou sua soberania sobre o resto do país. Essa soberania foi na prática, ferozmente contestado pelos nacionalistas e anti-comunistas do sul, em torno da figura do último imperador do Vietnã, Bao Dai.

Durante os anos de 1954 a 1959, Ngo Diehm, o primeiro ministro do Vietnã do Sul, trabalhou ativamente para, de um lado, minar e eventualmente depor o imperador Bao Dai, de modo a controlar o país, e de outro esmagar as ondas de insurgentes comunistas. Eventualmente, apesar de seus esforços, as forças insurgentes começaram a aumentar seus ataques, e clamar pelas reformas feitas no Norte, devido a extrema desigualdade presente no sul. O Viet Minh começou a ajudar e organizar oficialmente os rebeldes a partir de 1960, clamando por uma libertação do imperialismo ocidental. Além disso, o Vietnã do Norte invadiu e anexou o Laos em 1959, e, com o apoio do Khmer Vermelho, a facção comunista do Camboja, infiltrou mais de 40,000 soldados no Vietnã do Sul, sobretudo nas zonas rurais.

Em 1963, oficiais do Exército Sul-Vietnamita deram um golpe de estado visando tomar o poder e combater os comunistas, predendo e assassinado o primeiro ministro Ngo Diem. Os comunistas infiltrados propagandearam o ato como a instalação oficial de um governo fantoche norte-americano, e inflamaram os rebeldes nos campos. Em 1964 o Norte invadiu o Vietnã do Sul, e, com ajuda dos insurgentes, começou uma guerra civil pela reunificação do país. Forças soviéticas, chinesas e da OTAN interviram, o que levou a um dos mais sangrentos conflitos do séc. XX, com mais de 3 milhões de mortos, e o uso de armas químicas devastadoras, como o Napalm e o Agente Laranja, principalmente pelas forças americanas. A guerra causou também o surgimento de violentos protestos anti-guerra e de contra-cultura nos Estados Unidos, em meio a políticas oficiais que arrebanhavam jovens americanos e os mandavam para uma guerra cada vez mais desesperada "contra o comunismo".

Em 1975 os americanos evacuaram parcialmente o Vietnã do Sul, retirando todos os cidadãos americanos e vários estrangeiros, mas deixando grande parte da administração pró-OTAN e simpatizantes para serem massacrados pelos exércitos comunistas. A partir de 1975 o Vietnã é reunificado como um país comunista, como permanece até os dias atuais.

Doutrina Nixon-Kissinger

A Doutrina Nixon-Kissinger, ou Doutrina Intervencionista, consistiu em um conjunto de práticas diplomáticas e militares idealizadas pelo presidente Richard Nixon e por Henry Kissinger, o Secretário de Estado Americano. Essa política resultou num intervencionismo militar e diplomático americano para evitar a proliferação do comunismo, como no Chile, ao apoiar o general Pinochet num golpe contra o presidente Salvador Allende, na Nicarágua, contra os Sandinistas, entre outros.

Segunda Guerra Fria (1979-1985)

A "Segunda Guerra Fria" foi o período a partir de 1979, marcado pela eleição de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, que levaram a OTAN a tomar uma posição de confronto em situações de diplomacia internacional, sobretudo na invasão soviética do Afeganistão em 1979. Essa invasão foi o resultado da interferência da OTAN com milhões de dólares em ajuda financeira e armamentos para os insurgentes denominados mujahideen, entre os quais estava Osama Bin Laden, que visavam derrubar a república socialista pró-soviética formada após a Revolução de Saur em 1978.

O ápice da Segunda Guerra Fria foi o chamado Able Archer 83, que foi um exercício militar secreto dos países da OTAN de simulação do alerta DEFCON 1, que significava guerra nuclear total, e que inclui o armamento e posicionamento de armas nucleares e diversas comunicações secretas. Os soviéticos receberam um relatório desse suposto exercício do agente da KGB Oleg Gordievsky, que era espião infiltrado em Londres. A reação soviética, diante da incerteza de que se tratava apenas de um exercício, foi armar e tentar lançar todos os seus mísseis sobre os Estados Unidos, decisão que só foi abortada a tempo devido a um defeito nos códigos de lançamento. Contudo, muitos documentos acerca desse período continuam sendo considerados segredo de estado, o que dificulta o acesso à informação.

Declínio Final (1985-1991)

A fase final da Guerra Fria foi marcada pelas reformas do Premiê soviético Mikhail Gorbachov, principalmente o Glasnost e a Perestroika.

Glasnost

O Glasnost foi uma reforma que buscou restaurar a liberdade de imprensa e de expressão, aumentar a transparência do governo, inclusive revelando documentos confidenciais da era Stalin, e libertar vários presos políticos. Além disso, o Glasnost também relaxou as restrições de viagem de cidadãos soviéticos, mas teve a infeliz conseqüência de reavivar tensões nacionalistas de territórios anexados pela U.R.S.S. no período Stalinista, como foi o caso da Guerra de Khabarakh, envolvendo uma minoria armênia que foi realocada no Azerbaijão quando este obteu a independência dos soviéticos.

Perestroika

Já a Perestroika foi a tentativa de reestruturação política da União Soviética, instituindo uma democracia moderada, que contaria com eleições municipais e distritais pela primeira vez desde a formação do estado soviético. Mas os candidatos para as eleições proveriam de diferentes alas do Partido Comunista, e não seria implantado um regime multi-partidarista. A instituição do Congresso do Povo, uma espécie de parlamento soviético, contudo, saiu pela culatra: A maioria dos votos foi para candidatos radicalmente reformistas, e só graças a manobras legislativas o Partido Comunista conseguiu manter a maioria. Além disso, graças a nova liberdade de imprensa, as sessões do parlamento foram televisionadas, com os reformistas denunciando as atrocidades comunistas a altos brados em rede nacional. Sob pressão da imprensa e dos reformistas, em 1990 Gorbachev foi forçado a assinar a revogação do Artigo 6 da constituição, que previa a superioridade da autoridade do Partido sobre todas as instituições.

Isso por sua vez enfraqueceu muito o planejamento central da administração soviética, o que causou um colapso sócio-econômico enorme, que fortaleceu ainda mais os reformistas. Assim, em agosto de 1990, começou a entrar em vigor o Plano dos 500 dias, que faria a transição da economia soviética para uma economia de mercado capitalista, efetivamente declarando o fim da U.R.S.S. no ano seguinte.

Consequências da Guerra Fria

As duas maiores consequências da Guerra Fria foram a proliferação do comunismo, que ainda se mantém, ao menos nominalmente, em países como China, Coréia do Norte, Vietnã, Cuba, Birmânia, entre outros. Contudo, após o fim da União Soviética, esses regimes tem se enfraquecido sensivelmente, pois, exceto no caso chinês, a maioria desses países dependia de ajuda financeira e de acordos comerciais possibilitados pela existência do bloco soviético, e atualmente são estrangulados por embargos comerciais dos Estados Unidos e seus aliados.

A outra grande e talvez a mais importante consequência foi a proliferação e estocagem de um enorme arsenal nuclear mundial, que, apesar de promessas de desativação e redução de quantidades, ainda é capaz de acabar com toda a vida na terra através do chamado "Inverno Nuclear": Este acontece devido ao bloqueio total ou parcial da luz solar por nuvens de resíduos radioativos, que, além do potencial enorme de mutações, câncer e abortos, impediria a fotossíntese das plantas, e assim a reprodução e substistência dos animais, incluindo os humanos. Outra possibilidade é que, se detonado uma parte do arsenal nuclear em um único ponto, a terrra sairia de seu eixo de rotação em torno do sol, o que eventualmente deixaria a terra vagando pelo espaço, sem fonte de calor ou energia, eventualmente esfriando a -3º Kelvin, ou aproximadamente -270º Celsius.

Bibliografia
  • LEFLLER, Merwyn & WESTAD, Odd Arne. Cambridge History of the Cold War.

Pedro Padovani

História - USP

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