Guerra dos Cem Anos

A Guerra dos Cem Anos foi um longo conflito entre ingleses e franceses que, apesar do nome, durou 116 anos. A razão do conflito foi uma disputa de sucessão entre os dois reinos, onde os ingleses afirmavam que tinham também direito à coroa francesa após a morte de Carlos IV, que lhes foi negado com a ascensão de Felipe de Valois.

Causas da Guerra dos Cem Anos

As principais causas da Guerra dos Cem Anos são a tomada das posessões continentais inglesas pelos reis da França, e o disputa de sucessão dinástica após a morte do último filho do rei francês Carlos IV, que não deixou descendentes.

Em 1066, Guilherme o Conquistador, Rei dos Normandos, conquistou a Inglaterra, e extendeu seu reino, que passou a incluir tanto a Normandia (costa norte da França) quanto a Inglaterra e as ilhas do canal da Mancha. Além da Normandia, os reis da Inglaterra herdaram por casamento a Aquitânia e a Gasconha, dois territórios próximos à costa sudoeste francesa. Esses territórios foram objeto de uma série de campanhas militares a partir de Felipe II, também chamado de Felipe Augusto. Essas campanhas, entre elas a guerra de Saintonge e a guerra de Saint-Sardos foram precursoras da Guerra dos Cem Anos, e em muito contribuíram para a fúria dos ingleses, diante da tomada ilegal de suas terras.

Já a questão dinástica se centrava em um problema tanto jurídico como tradicional: Em princípio, juridicamente, todos os filhos de um rei transmitiam sangue real a seus filhos, dando-lhes direito de sucessão, embora fossem sempre privilegiados os filhos homens mais velhos. Já consuetudinariamente, ou seja, pelos costumes tradicionais, havia a Lei Sálica, que ditava que, na ausência de filhos homens de um rei que pudessem assumir o trono diretamente, o trono passaria para o parente homem mais próximo em ramo colateral.

Pois bem, com a morte de Carlos IV, dois candidatos ao trono surgiram: Eduardo III, que era seu sobrinho através de sua irmã, Isabela de França, e portanto único neto do falecido rei Felipe III, seu pai; E Felipe de Valois, que era primo de Carlos IV, do ramo colateral dos Valois. O primeiro herdaria de acordo com os precedentes jurídicos, e o segundo, de acordo com a Lei Sálica. Os franceses acabaram empossando Filipe de Valois em 1328, e em 1337, começa a guerra.

Primeira Fase (1337-1389)

O primeiro ato da guerra foi a preparação, por parte dos ingleses, de uma grande frota naval, que invadiria a França pela península de Cotentin, na Normandia. A frota ficou pronta só em 1340, e, sob o comando de Eduardo III, surpreenderam a marinha francesa no porto de Sluys, e destruíram-na completamente, negando assim qualquer possibilidade de invasão francesa para o resto da guerra. O rei da inglaterra contudo, contava com poucos fundos e não poderia invadir a península sozinho, porém nesse mesmo ano morre o Duque da Bretanha, e começa a Guerra da Sucessão Bretã, com dois candidatos, cada um apoiado por um dos reis. Eduardo III então desembarca tropas para auxiliar seu candidato, João de Montfort, e seguem-se lutar encarniçadas sem um vencedor claro até 1345.

No ano seguinte, 1346, Eduardo III monta uma nova invasão, dessa vez para tomar o porto de Calais. Os franceses, pegos de surpresa, oferecem pouca resistência, e o porto é completamente tomado em um único dia. O rei Filipe VI, no entanto, monta um grande exército para retaliar, e Eduardo III, ao invés de tentar resistir em Calais, deixa um pequena guarnição e parte pelo norte da França, pilhando tudo em seu caminho. Os dois exércitos finalmente se encontram na batalha de Crecy, onde os arqueiros ingleses e o terreno lamacento contribuem para um massacre total do exército francês. Enquanto isso, uma força francesa consegue retomar Calais, mas os ingleses a cercam em 1347, e, quando a cidade está prestes a se render, o rei Felipe manda outro exército, que é novamente massacrado pelos ingleses.

Na Bretanha, Carlos de Blois, o candidato francês à sucessão, é capturado pelos ingleses, e esses tomam de facto o ducado da Bretanha. Contudo, com a intervenção do Papa Inocêncio VI, os dois lados negociam uma trégua, e prometem decidir o futuro do ducado num dos episódios mais famosos da cavalaria medieval: A Batalha dos Trinta. Cada lado elegeu 30 de seus melhores cavaleiros e seus escudeiros, e se enfrentaram heroicamente, até que um lado, o francês, saiu vitorioso, assim, apesar de alguns territórios ainda serem controlados pela facção inglesa, os franceses se tornaram duques da Bretanha.

Entre 1348 e 1356, o conflito foi praticamente suspenso, em razão da mortandade provocada pela Peste Negra. Neste último ano, Eduardo, chamado o "Príncipe Negro", filho de Eduardo III, invadiu a França pelo sul, reconquistando a Gasconha e a Aquitânia, e vencendo o exército francês na batalha de Poitiers, capturando o então rei da França, João II. Eduardo III então foi a França e avançou com seu exército até Reims, para ser coroado rei. O futuro Carlos V, então regente da França, fugiu dos exércitos de Eduardo, e conseguiu avisar Reims a tempo de a cidade se preparar para um cerco. O rei inglês cercou a cidade por 5 semanas, mas teve de ir embora sem sua coroação. Contudo, os ingleses conseguiram forçar João II a assinar o tratado de Bretigny, que efetivamente concedia os ingleses grande parte do território francês, incluindo os territórios da Aquitânia, Poitou, Limousin, parte da Gasconha, Calais, Ponthieu, a península de Contentin, e a garantia de uma Bretanha independente.

Esse tratado garantiu a paz entre os dois reinos por 9 anos, até 1369, período no qual o único acontecimento notável foi o assassinato o duque da Bretanha, Carlos de Blois, por João de Montfort, que assumiu o título, em 1364. Neste ano ascendeu ao trono Carlos V, quando seu pai morreu no cativeiro na Inglaterra. A Guerra de 1369 a 1389 basicamente se resumiu a Guerra pela sucessão de Castela, na qual os ingleses e os franceses interviram, conduzindo uma espécie de "guerra por procuração". Os franceses foram vitoriosos, e em troca do apoio, o rei Henrique II de Castela enviou uma frota naval que, com ajuda francesa, venceu os ingleses na Batalha de La Rochelle. Em 1376 o Príncipe Negro morre e, com as derrotas navais sofridas pelos ingleses, estes perdem boa parte de suas possessões na Gasconha.

Segunda Fase (1390-1453)

De 1390 a 1415, durante o reinado de Carlos VI na França, a loucura deste último provocou sua retirada de facto do poder, ainda que não de jure. O poder então passou a ser exercido na França por príncipes e nobres, divididos basicamente em duas facções, uma liderada por João, o Intrépido, Duque da Borgonha e primo de Carlos VI, e a outra por Luís de Orleáns, irmão do rei. Os ingleses apoiaram o duque da Borgonha, que começou uma guerra civil contra na França, pela independência da Borgonha. Com seus exércitos ocupados, os conselheiros de Carlos VI e a rainha Isabela não conseguiram resistir aos avanços do rei inglês Henrique V, que mais uma vez reconquistou suas possessões estabelecidas pelo tratado de 1360, e as expandiu.

Em 1422, ano da morte de Henrique V, praticamente toda a França, incluindo Paris, estava nas mãos dos ingleses, e boa parte do resto nas mãos dos Burgúndios. Mesmo depois da morte do rei, o exército inglês continuou em campanha através da França, vencendo o que restava dos exércitos reais franceses. Com a morte de Carlos VI, seu filho, Carlos VII tornou-se nominalmente o rei, mas não podia ser coroado sem ir a Reims, que estava em mãos inimigas. Quando os ingleses cercaram Orleáns, uma das últimas grandes cidades ainda em mãos francesas, uma jovem chamada Joana D’Arc convenceu Carlos VII, já desesperado, a deixá-la liderar um exército contra os ingleses. O exército de Joana D’Arc rapidamente venceu os ingleses em Orleáns e Patays, dando início assim à reação francesa.

Em 1429 Henry VI foi coroado rei da Inglaterra, em Westminster, e da França, em Paris. Em 1430, Filipe III, o Duque da Borgonha, liderou um exército que capturou Joana D’Arc, exigindo uma fortuna em resgate dos franceses. Estes se recusaram, e Joana D’Arc foi dada aos ingleses, que a queimaram viva sob acusações de bruxaria.

Achando que o perigo havia passado, os ingleses convocaram o Congresso de Arras em 1435, para exigir formalmente a anexação dos territórios franceses. Superestimando sua posição diplomática, os ingleses fizeram demandas territoriais absurdas e insistentes, o que provocou a deserção de Filipe III, até então seu aliado. Filipe III então ofereceu Paris de volta aos franceses em troca da independência permanente da Borgonha, e se aliou a Carlos VII. A partir daí começou uma lenta reconquista contra os ingleses, que não conseguiam sustentar guarnições eficientes na França por falta de recursos, especialmente sem a aliança com a Borgonha. A última batalha da Guerra foi Castillon, em 1453, onde a última posessão inglesa, a Gasconha, caiu.

Consequências da Guerra dos Cem Anos

As principais consequências da Guerra dos Cem Anos foram o desenvolvimento de um sentimento de identidade nacional profundo, dos dois lados, que contribuiu para a formação da Inglaterra e da França como passamos a conhecê-las. Além disso, a necessidade de fazer uma guerra focalizada e de ter objetivos singulares para os dois reinos contribuiu para uma centralização do poder real e uma diminuição do poder dos grandes nobres, que não mais podiam defender seus territórios com eficiência.

Além disso, o conflito representou um grande salto tecnológico, na primeira fase com o aperfeiçoamente da cavalaria e dos arqueiros ingleses, e, depois de provada a primazia destes últimos, o desenvolvimento de armas alternativas, como a besta e o pique, e de armas de cerco eficientes, que possibilitavam a tomada mais rápida das cidades, como os canhões e trebuchets (uma espécie de catapulta com contra-peso).

Bibliografia
  • NEILLANDS, Robin. The Hundred Years War.

Pedro Padovani

História - USP

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