Para entendermos o significado mais profundo da Guerra de Canudos, ocorrida em 1897, é preciso remontar a uma época em que o Brasil passava por uma instável fase de transformações. Nos primeiros anos após a Proclamação da República, em 1889, o país enfrentou muitas agitações sociais. As desigualdades econômicas e sociais existentes entre os estados se tornaram ainda mais sérias e aguçaram as reivindicações das populações locais. Até a segunda metade do século XIX, o nordeste era o mais importante polo econômico brasileiro devido às lavouras de cana-de-açúcar. Mas, com o advento da cultura cafeeira do sudeste, houve um deslocamento geográfico da riqueza para a região do oeste paulista. Assim, enquanto as populações urbanas das grandes capitais, sobretudo do sudeste do país, viviam um surto de desenvolvimento, as sociedades rurais do nordeste enfrentavam a miséria e uma agravante situação climática de seca.
Além disso, com a República e a descentralização da administração do país, o coronelismo ganha força nos estados. A partir desse período, os coronéis, geralmente grandes proprietários de terras, passam a ganhar poderes para atuar como chefes políticos locais. A união dos coronéis de uma região formava as oligarquias regionais, as quais subordinavam os sertanejos a péssimas condições de trabalho e a uma política fraudulenta e opressiva.
A desigualdade social, a precariedade do sistema político, a inexistência de serviços sociais, foram fatores que contribuíram para o surgimento dos cangaceiros. Estes últimos formavam grupos armados que assaltavam fazendas, pilhavam armazéns, exigiam dinheiro e alimentos dos grandes proprietários, etc. O cangaço ilustra bem a situação na qual a Guerra de Canudos emergiu, pois constituía um movimento no qual as pessoas se rebelavam contra a situação de penúria e opressão do sertão.
Esse contexto crítico também favoreceria o surgimento de seitas religiosas que agrupavam em torno de si as pessoas menos favorecidas. A Igreja Católica não tinha como estabelecer um controle sobre todas as práticas religiosas regionais, o que propiciava a existência de um catolicismo popular e não-ortodoxo, sobretudo nas regiões mais distantes dos centros urbanos. Com isso, até mesmo pessoas leigas assumiam funções religiosas e se tornavam pregadoras populares. Ou seja, a situação de instabilidade política e de miséria estimulava a crença em movimentos messiânicos. O líder messiânico era aquele que representava, perante a população, um mediador entre o Céu e a Terra, isto é, um enviado de Deus que prometia satisfazer as necessidades econômicas e sociais da região. Esses beatos não eram bem vistos nem pelas autoridades da Igreja nem pelos coronéis locais, uma vez que arregimentavam muitos seguidores por onde passavam.
Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido como Antônio Conselheiro, nasceu em 1830, em Quixeramobim, província do Ceará. Mesmo não dispondo de muitos bens e de instrução, seu pai o faria frequentar uma escola da região, desejando que ele seguisse a carreira sacerdotal. Porém, Antônio assumiria alguns negócios deixados pelo pai e se casaria em 1857. Após a mulher tê-lo deixado, ele abandona tudo e começa a vagar pelo sertão nordestino, até que surge na Bahia em 1874. Sua aparência estranha, bem como sua vida penitente e a boa oratória que tinha, fizeram com que ele atraísse muitos seguidores peregrinos. Ao demonstrar total desapego aos prazeres materiais, abordar temas diretamente ligados ao cotidiano dos sertanejos e representar a salvação de uma população abandonada pela classe dirigente, Conselheiro começou a reunir multidões em suas pregações. Perseguidos pela polícia por conta de suas prédicas que contestavam questões políticas dessas regiões, ele e seus seguidores se refugiariam no interior da Bahia, no vale do rio Vaza-Barris. Fundou-se, então, o Arraial de Canudos, que partiu de uma antiga ideia de Antônio Conselheiro: fundar uma comunidade sagrada, uma espécie de Terra Prometida, distante das instituições terrenas e baseada na propriedade coletiva da terra.
Muitos historiadores ainda questionam se Antônio Conselheiro realizava ou não discursos que iam claramente contra o regime republicano. Independentemente disso, é importante notar que, de fato, o líder messiânico e seus fiéis criticavam a situação vigente naquela República, isto é: o poder crescente dos coronéis, a cobrança excessiva de impostos da população sertaneja, e a separação entre a Igreja e o Estado na instituição do casamento civil. Mas, apesar de Antônio Conselheiro nunca ter se aliado a monarquistas, o governo federal lançou quatro expedições contra Canudos sob o pretexto de extinguir o suposto "foco monarquista". Ou seja, na mentalidade do Estado, Canudos abalava a autoconfiança da República que estava nascendo naquele período.
Além das autoridades do Rio de Janeiro, os padres e fazendeiros também se posicionavam contra Conselheiro, pois a Igreja perdia fiéis para ele, à medida que o líder se tornava mais carismático, e os latifundiários reclamavam da falta de mão-de-obra nas fazendas. A prosperidade de Canudos ? que era uma comunidade auto-suficiente e em apenas dois anos reuniu aproximadamente 5.200 domicílios ? começou a incomodar o governo baiano devido, sobretudo, a esse êxodo da população local em direção ao arraial, o que teria como consequência a falta de forças produtivas na região.
Quando as autoridades baianas decidiram esmagar o arraial de Canudos, não imaginavam que as lutas durariam tantos meses, pois não pressupunham a grande capacidade de resistência de seus habitantes. Contudo, o governo se deparou com grandes dificuldades para eliminar o grupo de Antônio Conselheiro, tanto que três das quatro expedições enviadas para combatê-lo foram derrotadas. A primeira investida militar, que contava com cem homens, foi derrotada em novembro de 1896. A segunda, já com 550 homens, metralhadoras e canhões, também foi vencida. Na terceira expedição, 1300 soldados se dirigiram até Canudos. Porém, essa tropa também perdeu a batalha, pois caiu em uma emboscada, deixando para trás grande quantidade de armamento e munição. A quarta expedição partiu para Canudos em junho de 1897, contando com milhares de sertanejos uniformizados e conhecedores da região. O último e decisivo combate ocorreu quatro meses após ter começado a quarta expedição, com a vitória das tropas do governo. Em outubro de 1897, o arraial foi inteiramente destruído e incendiado, deixando um saldo de quase 30 mil mortos. O escritor Euclides da Cunha, na obra Os Sertões (1902), apresenta uma denúncia contundente contra a crueldade do massacre de Canudos.